Neste livro, Paulo
Freire se mostra preocupado com a compreensão do leitor. Defende sua leitura
mesmo por aqueles que não concordarem com o que ele diz, afirmando ser válido
na medida em que aprendem a ser mais abertos, menos sectários, considerando,
ainda, que o diferente e o antagônico sempre têm algo a ensinar. Interessante
que ele reconhece não ter “a verdade”, mas “verdades” que gostaria que fossem
úteis à formação e prática docente.
Primeiras palavras
Professora – tia: a armadilha
Porque “cartas a quem ousa ensinar”?
Porque é preciso ter ousadia ao querer ensinar nas condições que conhecemos,
mal pagos e desrespeitados, e, ainda por cima, falando de amor...
Porque “Professora sim, tia não”?
Porque considerar a professora como sendo tia é transformá-la num parente
postiço, é dizer que professoras, como boas tias, não devem brigar e nem se
rebelar.
“A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma “inocente” armadilha
ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora, o
que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de
tarefas fundamentais” (p. 25).
É possível ser tia sem amar os sobrinhos, sem gostar de ser tia. Mas não é
possível ser professora sem amar os alunos e sem gostar do que se faz.
Mas Paulo Freire deixa claro:
Você tem todo o direito de querer ser chamada de tia, mas não pode desconhecer
as implicações escondidas nas manhas ideológica que envolve a redução da
condição de professora à tia.
Primeira carta
Ensinar – aprender; leitura do mundo – leitura da palavra
Não existe ensinar sem aprender. Na medida que ensina, o ensinante acaba
repensando o passado, de forma a rever suas posições. A necessidade de formação
permanente implica a quem ensina tanto o ato de estudar – o qual implica não
apenas a leitura da palavra, mas, também a leitura do mundo – como também uma
análise crítica de sua própria prática.
Ler, estudar é um trabalho paciente, desafiador e persistente. Sendo assim,
cabe à escola estimular o gosto pela leitura e escrita, já que, assim como
ninguém nada se não nadar, ninguém escreve se não escrever.
Segunda carta
Não deixe que o medo do difícil paralise você
O medo que surge diante de alguma dificuldade e que gera o sentimento de
insegurança naquele que teme, não deve ser negado, ignorado; é preciso, porém,
que não se permita que ele “nos paralise ou nos persuada de desistir de
enfrentar a situação desafiante sem luta e sem esforço” (p.39). Estudar, ato
que requer disciplina e determinação, também pode gerar medo na medida em que a
sensação de incapacidade de compreensão toma conta do leitor.
Deixar de lado instrumentos auxiliares de trabalho, querer acreditar que
entendeu sem ter de fato entendido (e muitas vezes saber disso!) e
satisfazer-se com uma leitura maquinal são algumas das ameaças ao estudo sério.
A discussão do texto e o levantamento de diferentes pontos de vista são, por
sua vez, formas de se enriquecer a produção da inteligência do texto. O que vem
acontecendo nas escolas, porém, é fazer com que os alunos se tornem passivos
perante o texto, desestimulando a leitura consciente crítica.
Terceira carta
“Vim fazer o curso do magistério porque não tive outra opção”
A prática educativa é algo muito séria. Ao participarmos da formação de
pessoas, participamos também do seu sucesso ou fracasso. O professor deve,
portanto, ter convicção ao fazer a sua escolha, reconhecendo a dignidade e
importância de sua tarefa, a qual é indispensável à vida social. Contudo, esse
reconhecimento precisa partir também da sociedade, para que ela própria possa
esperar e exigir uma educação de qualidade. “É óbvio que problemas ligados à
educação, não são apenas problemas pedagógicos. São problemas políticos, éticos
tanto quanto os problemas financeiros” (p. 51).
Quarta carta
Das qualidades indispensáveis ao melhor desempenho de professoras e professores
progressistas
A primeira qualidade indispensável aos professores progressistas é a humildade,
a qual exige coragem, confiança e respeito, em relação a si próprio e aos
outros. Sem humildade dificilmente ouviremos com respeito aqueles que
consideramos demasiadamente longe de nosso nível de competência. Da mesma
forma, a amorosidade – não apenas aos alunos mas ao próprio processo de ensinar
– e a tolerância – virtude que nos ensina a conviver com o diferente – são
fundamentais.
A coragem para comandar e educar nossos medos, bem como a segurança, que
demanda competência científica, clareza política e integridade ética, também
são qualidades apontadas. Não se pode esquecer, ainda, da competência, da
capacidade de decisão, da eticidade, da alegria de viver e do equilíbrio entre
a paciência e a impaciência – a paciência sozinha pode levar à acomodação; a
impaciência, por sua vez, a um ativismo irresponsável.
Quinta carta
Primeiro dia de aula
No primeiro dia de aula, é natural que surjam sentimento de insegurança,
timidez e medo. È preciso, pois, assumi-los para poder vencê-los. O professor
deve estar sempre atento para que, aos poucos, consiga “ler” a classe, de forma
a perceber as crianças com suas peculiaridades, suas diferentes histórias de
vida. É preciso ganhar a confiança dos educandos e, para tanto, deve-se
permitir que eles se reconheçam como democraticamente respeitados, inclusive
frente ao que lhes é imposto como verdadeiro e que se distancia da sua
realidade.
Sexta carta
Das relações entre a educadora e os educandos
As relações entre a educadora e os educandos incluem a questão do ensino, da
aprendizagem, do processo do conhecer – ensinar – aprender, da autoridade, da
liberdade, da leitura, da escrita, das virtudes da educadora, da identidade
cultural dos educandos e do respeito devido a ela.
A prática educativa é um desastre quando deixa de existir uma relação coerente
entre o que a educadora diz e o que ela faz. Por exemplo: “O que se pode
esperar para a formação dos educandos de uma professora que protesta contra as
restrições a sua liberdade por parte da direção da escola, mas ao mesmo tempo,
cerceia a liberdade dos educandos, afrontosamente? ” (p. 75).
Diante dessa contradição (entre o fazer e o dizer) o educando tende a não
acreditar no que a educadora diz. Acaba-se esperando o próximo deslize. E como
afirma Paulo Freire: “Se esta coisa que está sendo proclamada, mas, ao mesmo
tempo, tão fortemente negada na prática, fosse realmente boa, ela não seria
apenas dita, mas vivida” (p.76).
Sétima carta
De falar ao educando a falar a ele e com ele; de ouvir o educando a ser ouvido
por ele
Há momentos em que a professora, enquanto autoridade, fala ao educando, diz o
que deve ser feito; em outros, fala com o educando. A experiência equilibrada,
harmoniosa entre o falar ao e o falar com os educandos é essencial para a
formação de cidadãos responsáveis e críticos. “É ouvindo o educando, tarefa
inaceitável pela educadora autoritária, que a professora democrática se prepara
cada vez mais para ser ouvida pelo educando. Mas, ao aprender com o educando a
falar com ele porque o ouviu, ensina o educando a ouvi-la também” (p.88).
Oitava carta
Identidade cultural e educação
A identidade é a relação contraditória entre o que herdamos e o que adquirimos
em nossas experiências sociais, culturais, ideológicas e de classe. O primeiro
passo para o respeito à identidade cultural dos educandos é o reconhecimento de
nossa identidade. É na prática de experimentarmos as diferenças que nós
descobrimos como “eus’ e “tus”. Pois “é sempre o outro enquanto tu que me
constitui como eu na medida em que eu, como tu do outro, o constituo como eu”
(p. 96). Sendo assim, Paulo Freire destaca a importância de se respeitar as
diferenças e valorizar o contexto social dos alunos, tal como a maneira como
cada um se expressa, como um fala: “Jamais disse ou sugeri que as crianças das
classes populares não devessem aprender o chamado “padrão culto” da língua
portuguesa do Brasil, como ás vezes se afirma. O que tenho dito é que os
problemas da linguagem envolvem sempre questões ideológicas e, com elas,
questões de poder. Por exemplo, se há um “padrão culto” é porque há outro
considerado inculto. Quem perfilou o inculto como tal? Na verdade, o que tenho
dito e por que me bato é que se ensine aos meninos e meninas populares o padrão
culto, mas, ao fazê-lo, que se ressalte: a) que sua linguagem é tão rica e tão
bonita quanto a dos que falam o padrão culto, razão por que não têm que se
envergonhar de como falam; b) que mesmo assim é fundamental que aprendam a
sintaxe e a prosódia dominantes para que:1. Diminuam as desvantagens na luta
pela vida; 2. Ganhem um instrumento fundamental para a briga necessária contra
as injustiças e as discriminações de que são alvo” (pp. 99-100).
Nona carta
Contexto concreto – contexto teórico
Paulo Freire ressalta a importância de procurar sempre entrelaçar o contexto
concreto e o contexto teórico, pois é impossível ensinar conteúdo sem saber
como pensam os alunos no seu contexto real (contexto concreto), ou seja, na sua
cotidianidade. Assim, é importante saber o que eles já sabem para, a partir daí
ajudá-los a aprofundar os conhecimentos que já possuem bem como apresentar a
eles aquilo que ainda não sabem. “De que forma entendemos as dificuldades
durante o processo de alfabetização de alunos sem saber o que se passa em sua experiência em casa, bem como em que extensão é ou vem
sendo escassa a convivência com palavras escritas em seu contexto sociocultural?
” (p. 111).
Décima carta
Mais uma vez a questão da disciplina
A disciplina é um princípio básico nos diversos contextos de aprendizagem, seja
no trabalho intelectual, na leitura séria de textos, na escrita cuidada, na
observação e análise de fatos e no estabelecimento de relações entre eles.
Ao professor cabe ensinar, e não transmitir conhecimento. E para que se
consiga, de fato, ensinar (ou seja, para que o educando realmente aprenda),
antes é preciso que ele se prepare, invista numa formação rica, sólida e
abrangente, tornando-se, enfim, produtor do conhecimento que lhe foi ensinado.
Última palavras
Saber e crescer – tudo a ver
Para saber é preciso crescer. Não é possível saber sem crescimento, e não é
possível crescer sem sabedoria. O saber é um processo social e individual ao
mesmo tempo. Mas para isso é preciso que o saber de minorias dominantes não
proíba o crescer das imensas minorias dominadas.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não – cartas a quem ousa ensinar. São Paulo,
Editora olha D´água. 1997.
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